Miguel Homem
Este texto inicia um estudo comparativo de algumas mudrás nos textos clássicos do Hatha Yoga, Hatha Yoga Pradípiká, Gheranda Samhitá e Shiva Samhitá, com o objectivo de dar a conhecer parte daqueles textos bem como familiarizar o praticante com a linguagem dos shástras.
As mudrás do Hatha Yoga são um tema nem sempre bem compreendido. Alguns julgam-nos apenas gestos das mãos, os chamados hasta mudrás. No entanto, existem outros, técnicas específicas que são feitas com o corpo. Não são ásanas, não são hasta mudrás, não são pránáyámas, não são exercícios de concentração ou de visualização, mas uma combinação de todas essas técnicas ou de parte delas.
Certo é que são técnicas avançadas que apenas devem ser executadas uma vez dominados, com algum conforto, ásanas, pránáyámas, drishtis e bandhas. A indicação das mudrás nos textos a que faremos referência aparecem sempre depois das instruções sobre ásana e, com excepção da Gheranda Samhitá, também depois do pránáyáma.
Segundo Satyananda “mudrás são um combinação de movimentos físicos subtis que alteram a disposição, atitude e percepção, e que aprofundam a atenção e concentração”[1]. Mas, mais importante do que isso, são técnicas apontadas pelos Shástras como importantes para o despertar da Kundaliní. Vejamos a Hatha Yoga Pradípiká:
“Assim, deve-se praticar com empenho as diversas mudrás a fim de despertar a poderosa deusa kundaliní que dorme fechando a porta de acesso ao Absoluto (sushumná nádí).
As dez mudrás são mahamudrá, mahabandha, mahavedha, khecharí, uddiyana bandha[2], mula bandha, jalándhara bandha, viparita karaní, vajrolí mudrá e shaktí chalaná. Eles destroem a velhice.” (III, 5-7).
A Gheranda Samhitá é mais exaustiva na enumeração das mudrás:
“Gheranda disse:
Existem vinte e cinco mudrás, cuja prática dá sucesso aos Yogis. Eles são:
Mahámudrá, nabhomudrá, uddiyana, jalándhara, múlabandha, mahábandha, mahávedha, khecharí, viparítakarí, yoni, vajrolí, shaktichalana, tadágí, mándukí, shámbhaví, pañchadhárana, ashviní, pashiní, kákí, mátangí, e bhujanginí.” (III, 1-3).
E finalmente a Shiva Samhitá, que enumera as mesmas dez mudrás da Hatha Yoga Pradípká:
“Agora vou dizer-te o melhor meio de se conseguir sucesso no Yoga. Os praticantes devem mantê-lo secreto. É o Yoga mais inacessível. Quando a deusa adormecida kundaliní é acordada pela graça do Guru, então todos os lótus e granthis (nós) são logo atravessados sucessivas vezes. Assim, para que a deusa que dorme na boca de brahmarandhra (a entrada de sushumná nádí), seja acordada, as mudrás devem ser praticados com grande cuidado.
De muitos mudrás, as dez seguintes são as melhores:
Mahámudrá, mahábandha, maháveddha, khecharí, jalándhara, múlabandha, viparítakarana, uddiyana, vajroli e shaktichálana.” (IV, 12-15).
As mudrás são praticados, geralmente, depois dos ásanas – “Depois dos ásanas e dos bandhas, a prática do Hatha Yoga continua com as distintas variações de kumbhakas, os mudrás e a concentração no som interior (nada).” Hatha Yoga Pradípká (I, 56).
Toda a sorte de vantagens e benefícios é atribuída à prática das mudrás por estes shástras. Vale a pena referir esta indicação da Hatha Yoga Pradípká:
“Shiva ensinou estes dez gestos que proporcionam os oitos poderes paranormais (siddhis); os yogis perfeitos (siddhas) esforçam-se na sua prática, mas os mudrás são difíceis de serem dominados, mesmo pelos deuses.”
Estes poderes são os descritos no capítulo III, dos Yoga-Sútras e são:
- Animan, o poder de ficar pequeno como um átomo;
- Mahiman, o poder de ficar imensamente grande;
- Laghiman, o poder de ficar muito leve;
- Prápti, o poder de alcançar todas as coisas, como conseguir tocar a lua com um dedo;
- Prákámya, o poder de realizar instantaneamente todos os desejos;
- Vashitva, o poder de controlar os objectos animados e inanimados;
- Ishitritva, o poder de domínio sobre a matéria e os objectos que derivam dela.
- Yatrakámavasáyitva, o poder de determinar as coisas segundo o seu desejo.
A estes acrescenta-se a perfeição corporal (kaya siddhi) que Patañjali definiu no sútra III, 47:
“A perfeição do corpo físico manifesta-se como beleza, graça, força, dureza e o brilho do diamante.”
A linguagem dos shástras nem sempre é directa. Por vezes é cheia de folclore, rica em metáforas, imagens e símbolos. Enfim, é o testemunho escrito dos Mestres antigos, porque a sua viva voz, o ensinamento directo, só está acessível através do param-pará (de boca a ouvido…).
Miguel Homem
mhomem@iol.pt
A citações da Hatha Yoga Pradípiká são extraídas da tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil, enquanto as da Gheranda Samhitá e Shiva Samhitá são a tradução para o português feita pelo autor a partir de The Forceful Yoga, Being the Translation of Hahayoga-Pradpika, Gherand-Samhitá and Shiva-Samhitá, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu, 1ª Edição, Motilal Banarsidas Publishers, 2004, Delhi, Índia.
[1] Asana Pranayama Mudra Bandha, 3ª Edição, Yoga Publications Trust, 2002, Índia, pag. 423.
[2] Já Theos Bernard ensinava que a distinção entre bandha e mudrá é meramente teórica e não deve causar nenhuma confusão, porque ambos são uma e mesma coisa. Veja-se Hatha Yoga, The Report of a Personal Experience, 4ª Impressão, Essence of Health Publishing, 2001, Africa do Sul, pag 60, nota nº 3